O processo que levou à independência de Portugal foi longo, Afonso Henriques levou a cabo um verdadeiro braço de ferro com o seu primo Afonso Raimundes, ou seja, D. Afonso VII, el-rei de Leão e Castela. E, apesar de o nosso primeiro monarca nunca ter cumprido o rito de vassalagem para com o primo, declarou-se seu vassalo em dois documentos muito importantes. O primeiro, foi o Tratado de Tui, assinado a 4 de Junho de 1137. Note-se que Afonso Henriques, nesta altura, já era, há quase dez anos, o líder incontestado do Condado Portucalense. Mas ainda não se tinha dado a Batalha de Ourique, em que ele seria aclamado rei pelos seus guerreiros.
Depois de ter vencido a Batalha de São Mamede, Afonso Henriques iniciou uma política agressiva em relação ao primo, ao apropriar-se de territórios galegos. Conseguiu tornar-se senhor do sul da Galiza e mandou construir um castelo em Celmes, uma ofensa perante D. Afonso VII, pois os vassalos só podiam construir castelos com autorização do seu suserano.
Mas o nosso primeiro rei não foi bem sucedido. D. Afonso VII, depois de se ter coroado imperador na Catedral de León, em 1135, intitulando-se, a partir daí, "Imperador de Toda a Hispânia", recuperou os territórios galegos, arrasou o castelo de Celmes e ameaçou invadir o Condado Portucalense, a fim de afastar o primo do poder. Afonso Henriques, viu-se entre a espada e a parede e concordou em assinar um tratado, em que se declarava vassalo de D. Afonso VII.
Com a mediação do arcebispo de Braga e dos quatro bispos, Afonso Henriques reconheceu o imperador de toda a Hispânia como seu suserano. Prometeu fidelidade e amizade a Afonso VII e comprometeu-se a respeitar as fronteiras da Galiza e de Leão. Como prova da sua vassalagem, o imperador confirmou-lhe o senhorio de Astorga, a cidade leonesa que pertencera aos pais do príncipe. Que, no entanto, teria que ser imediatamente devolvida, caso ele o exigisse. Além disso, como bom vassalo, Afonso Henriques comprometia-se a fornecer apoio militar a seu primo, sempre que este tal solicitasse.
É interessante verificar que, tanto este importante tratado, como as circunstâncias que a ele conduziram, surgem "abafados" na História de Portugal, não são conhecidos do grande público. E, no entanto, tratou-se de uma cerimónia imponente, em que participaram altas personalidades: o arcebispo de Braga, os bispos do Porto, Segóvia, Tui e Ourense, além de nobres de alta estirpe. Ao todo, assinaram o documento mais de cem testemunhas, entre clérigos, fidalgos e outros cavaleiros. Não será difícil imaginar o impacto que tal reunião terá tido em Tui e em toda a região adjacente.
Afonso Henriques, no entanto, já admitiria a hipótese de desrespeitar o combinado (o que veio a verificar-se mais tarde).
No dia seguinte, o acordo foi lido em voz alta, na presença de todos os nobres, prelados e cavaleiros. O imperador assinou-o em primeiro lugar, seguido por Afonso, o arcebispo de Braga, os quatro bispos e o resto das testemunhas. Enquanto decorriam estes procedimentos, Afonso conversava com o primo, que se ria das anedotas que ele próprio contava. O príncipe sorria por cortesia, as piadas soavam-lhe ocas.
Aos poucos, os senhores iam deixando a sala e formavam grupos no recinto do castelo. Egas Moniz conversava com o bispo do Porto e, assim que Afonso teve oportunidade, juntou-se a eles. Logo o prelado comentou:
- Missão cumprida, não é verdade?
- Mal posso esperar - retorquiu Afonso baixo, - para tornar a dedicar-me a algo útil.
Também D. João Peculiar baixou a voz:
- Considerastes esta reunião perda de tempo?
- Digamos que há coisas mais importantes. Os mouros, por exemplo, merecem uma boa lição, por terem arrasado o castelo de Leiria, que ainda nem estava pronto.
D. João Peculiar observava o príncipe atentamente, ao perguntar:
- Quer isso dizer que iremos, definitivamente, viver em paz aqui no norte?
Afonso manteve-se calado.
in Andanças Medievais