Projeto desenvolvido por jovem casal produtor de uvas, em Valença, é exemplo de integração social: “Criamos um projeto onde nos podemos sentir integrados como fazendo parte de algo, um lugar onde pode emergir o sentimento de autorrealização”
Germinar. É o nome do projeto de integração social de jovens e adultos com dificuldade intelectual e de desenvolvimento. Promovido por um jovem casal produtor de uvas, na exploração vinícola L’Campo, em Valença, o projeto integra dois utentes da delegação valenciana da APPACDM.
Duas vezes por semana, dois jovens trabalham na vinha de forma a promover o seu desenvolvimento pessoal e profissional, adaptando as suas competências ao trabalho desenvolvido.
Samuel e Carla, das freguesias de Mentrestido (Vila Nova de Cerveira) e Segadães (Valença), são o oposto um do outro. Ele quer despachar o trabalho, ela é mais perfeccionista mas os dois demonstram uma paixão por aquilo que fazem na vinha. Samuel também é o mais falador.
“Já disse à minha mãe que quero trabalhar e ela também me incentiva a fazê-lo porque quero ganhar o meu dinheiro”. Esta ideia irá repeti-la várias vezes para mostrar que tem capacidades e que “pode ser útil”.
“Não me vejo sem fazer nada”, diz ainda o jovem que, com uma memória de elefante se lembra de tudo o que já fez: “começamos por limpar o armazém para por as máquinas e as ferramentas direitinhas. Depois plantamos, enxertamos, criamos o sistema de rega e agora estamos na fase de atar as videiras”.
Carla é mais calada, “é a delicadeza do projeto”, mas entusiasma-se quando o parceiro começa a falar: “gosto muito de estar aqui. Nos dias em que vimos para aqui, chego mais cedo ao centro e já vou fardada para não perder tempo”.
Apesar de viver no centro de noite da APPACDM, Carla vai aos fins-de-semana até casa: “vou às compras, faço limpezas porque gosto muito”. No trabalho da vinha é tão perfeccionista que não deixa nada sem verificar.
Os dois estão na pausa para o lanche da manhã quando a reportagem de O MINHO chega a Ganfei.
Ao longe ouve-se um tractor. Um jovem ucraniano está a lavrar algumas terras. Foi acolhido pelos proprietários que já estão a tratar dos papéis para a sua legalização para que possa ser acompanhado na saúde e na segurança social. “Estava há ano e meio em Portugal, sem família e sem trabalho. Não falava português”.
“Trabalha o dia inteiro connosco com direito a um salário”, revela o casal. Já vai desenrascando o português mas prefere continuar a trabalhar do que contar a sua história.
António e Liliana
António Matos e Liliana Correia são o casal motor deste projeto. “Acreditamos que estes jovens ao trabalhar, dentro das suas capacidades, sentem-se ‘empoderados’, participam socialmente e estão em igualdade com outros jovens”.
Técnico Superior de Serviço Social, António diz ter “o privilégio de aprender todos os dias, não só a lidar com eles mas também a conhecer melhor o mundo da vinha e do vinho para poder ter melhores respostas”. Até porque nenhum dos dois tinha qualquer base de agricultura.
“Quisemos mudar de vida e como havia familiares nossos com um terreno de três hectares de vinha aqui em Valença embarcamos nesta aventura”. Vindos da Póvoa de Varzim e de Fafe começaram a adquirir alguns terrenos até aos doze hectares atuais. “Pouco ainda mas suficiente para iniciarmos este projeto”.
Um “risco consciente” do qual não estão arrependidos: “tínhamos horários diferentes na nossa vida anterior que não nos permitia ter uma vida estruturada”. A vinda para o campo já permitiu o nascimento de um filho, ter “horários flexíveis” e “uma liberdade que me dá um gozo enorme”.
Produto próprio
O ‘Germinar’ surgiu com o sentimento de “querer fazer a diferença e porque somos da área social criamos um projeto onde nos podemos sentir integrados como fazendo parte de algo, um lugar onde pode emergir o sentimento de autorrealização”.
No fundo, “este projeto, quer fazer germinar este sentimento nas pessoas”.
Samuel e Carla têm um salário e seguro pagos pelo casal mas a ambição é criar um produto que possa autossustentar economicamente o ‘Germinar’. Para isso, têm uma parceria com a ‘Quinta do Soalheiro’ que irá ficar responsável pelo desenvolvimento de um vinho loureiro cujo rótulo e a caixa final serão concebidos pelos utentes da APPACDM.
António Matos esclarece que “a ideia de criar este produto, para além de dar sustentabilidade ao projeto, é apelar a uma participação colaborante da sociedade, não numa lógica de caridade, mas numa lógica de reconhecimento da qualidade do produto produzido com a participação destas pessoas, que de outra forma não teriam essa possibilidade”.
Samuel começa a impacientar-se. Quer voltar ao trabalho. “Ainda temos muito que fazer e o horário do lanche já passou”. Como faltavam as fotografias, sugeriu que fossem tiradas a trabalhar: “assim as pessoas acreditam que eu trabalho mesmo e não venho para aqui passar o tempo”.
in O Minho
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