É quase como se cada país fosse buscar ao vizinho o que cada um tem de melhor. Todos os dias, o pão espanhol atravessa a fronteira de Valença para ser distribuído em supermercados e restaurantes portugueses, e os bolos portugueses fazem o caminho inverso para as pastelarias espanholas. Baltazar Ramos, um português proprietário, há 40 anos, de uma padaria em Tui (Galiza) e o pasteleiro José Pires, que gere um estabelecimento de fabricação e venda de pastéis nas proximidades da vila de Valença, todos os dias fazem negócio com esta troca comercial de que, apesar da livre circulação de mercadorias na raia, ainda vão sendo dos poucos protagonistas, pelos menos, na zona onde residem. Distribuição moderna "O que fez isto foi a CEE", justifica Baltazar Ramos, um natural de Barroselas, Viana do Castelo, com 65 anos, "emigrado à força", desde 1968, em Tui. "Nessa altura tinha vindo do Brasil e já não queria fazer a tropa. Vim para aqui e estabeleci-me", conta este filho de padeiro que, diz, nunca fez outra coisa. "Ainda sou do tempo de distribuir pão de bicicleta. Levava 50 quilos de broa atrás", recorda.Hoje em dia a forma de distribuição é bem diferente. Da padaria "San Telmo", situada no centro histórico de Tui, saem três carros todos os dias às seis da manhã para fazer a entrega do pão. Um deles ruma a Portugal. "Do lado de lá, em Valença, tenho aí uns 50 clientes, principalmente restaurantes e supermercados", afirma Baltazar, referindo "Num bom dia distribuo à volta de 500 pães e umas 50 'barras' (pão em forma de cacete muito utilizado em Espanha)". Há quatro décadas estabelecido em terras galegas, casou entretanto com uma espanhola, Maria Antónia, de quem teve três filhos. Dois deles estão com ele no negócio que alastrou a Portugal, "quando abriram as fronteiras". "Foram os clientes que me vieram buscar. O pão de lá é diferente. O espanhol é melhor, tem outra torrefacção que o português não tem. Em Espanha deixa-se o pão mais tempo no forno", considera o padeiro, justificando a procura portuguesa. Do lado de lá da fronteira, Baltasar vende a "carcaça" a 18 cêntimos, enquanto que, do lado de cá, tem de "adaptar" o preço ao dos portugueses e, por isso, a vende a 11 cêntimos. Só a "barra" é vendida em território português a 0,75, cinco cêntimos mais cara do que em Espanha. Espanhóis pagam mais. Tal como o pão miúdo, também os bolos saem mais caros aos espanhóis, do que aos portugueses. É por isso que José Pires, de 53 anos, vem sendo requisitado para fornecer pastelarias de Tui e Vigo. "Em Espanha o produto está muito mais caro e de qualidade não tem nada", assevera o pasteleiro, revelando que iniciou a investida no lado de lá da fronteira há cerca de ano e meio. "Já fornecíamos uma casa em Tui. Foram os espanhóis que nos vieram procurar, mas sou dos poucos que leva bolos para lá. No mercado de Espanha não é fácil entrar", diz José Pires.Todos os dias transporta para pastelarias galegas uma média de "150 bolos" e além disso recebe inúmeros clientes vindos de Espanha "para comprar ao balcão". "Temos uma casa em Valença, em que ao fim-de-semana a maioria da clientela é espanhola", refere. Razões para esta tão grande procura? José Pires aponta duas A qualidade e o preço. "Há quase uma diferença de 0,30 cêntimos em bolo", adianta, especificando que os seus bolos são vendidos a 0,35 cêntimos a unidade. De resto, as virtudes da pastelaria lusa são, segundo este pasteleiro, bem reconhecidas pelos espanhóis, que serão apreciadores sobretudo "dos pastéis de nata". "Temos cá um bolo, o "Valenciano" que é a nossa especialidade, feito de massa folhada com creme, chila e amêndoa, que também é muito apreciado", acrescenta Pires, concluindo "Eles lá não têm qualidade em quase nada, só no pão".
In Jornal de Notícias
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