Preliminares Sónia Kel,
a estrela de Valença do Minho, prepara-se para entrar em cena
(...)Sónia nasceu em Valença do Minho. Com 13 anos, abandonou o 6º ano e foi trabalhar para uma fábrica de confeções, julgando que dava início à grande marcha da sua emancipação. “Queria ganhar dinheiro para ter as minhas coisas.” Em regra, percebeu, as fábricas não fabricam a independência de quem lá trabalha. Nem evitam a sensação incómoda de tirar o emprego às máquinas. Cumpriu três anos de degredo em nome da sua libertação. Sonhava com roupas novas, modernas, com pinta. E um apartamento arrendado em seu nome. “Nunca sonhei com príncipes encantados.”
Qualquer coisa não bate certo quando se fica desempregado sem se ter idade para trabalhar. Com 16 anos de vida e três de fábrica, Sónia não quis regressar à escola. Queria era ser bailarina. Ficou no ócio do desemprego, matando o tempo muitas vezes no bar da tia. Não era da night. Raramente ficava aberto até às 22h. Em geral, servia galões e meias de leite para seduzir croissants petrificados. Foi ali que conheceu o homem da sua vida. Pelo menos, enquanto o foi.
Sónia apaixonou-se. E aceitou o pedido de casamento. Casou com 17 anos. Afinal, deixou-se encantar por um príncipe de Esposende, para onde foram viver. “O casamento mudou muito a minha vida.” A vida mudou muito o seu casamento.
Sónia nunca teve vocação doméstica. Fez um curso de arte floral e outro de auxiliar de enfermagem, que lhe rendeu emprego na Santa Casa da Misericórdia, no sector geriátrico. “Tratar dos velhinhos é bastante duro. É preciso ser forte de corpo e espírito.” Fez esse trabalho durante três anos, enquanto a vida, secretamente, desenvolveu os seus tédios. Mantinha intactos os sonhos de bailarina. Frequentava a noite por recreio. Até que uma amiga lhe disse que podia fazer bom dinheiro a “trabalhar nos copos”.
Depois de ponderar com o marido, decidiu abraçar o dia e a noite. A atividade noturna tinha a vantagem suplementar de poder vê-lo mais. Dividiu-se, com escassos intervalos de sono: varão e ballet exótico; puré às colheres e fraldas seniores. A noite, com as suas feitiçarias, sobrepôs-se, quando já era secretária. Na noite se conjugaram muitos astros, nem todos brilhantes.
A pornstar, sentada na beira de um colchão de água, transformada em tantas mulheres pelos espelhos daquele quarto de motel, deixou escapar a tristeza por entre a máscara de mulher fatal. Apagou-a como se passasse uma esponja na ardósia da sua vida. “Somos como toda a gente. Temos tristezas e alegrias...”
O LABIRINTO DA FAMA
Certo dia, o dono de um strip club de Gaia desafiou-a para fazer um filme porno. Ela aceitou, sabendo que ia contracenar com o marido. “Queria ser conhecida, disse que sim. Mas não tinha a noção. Nunca pensei que ia ser tão divulgado.” O príncipe encantado acabou por fazer dela uma pornqueen. Ele nunca falou muito do assunto. Ela nunca mais foi anónima.
Sónia quer ser famosa. Tem o desejo ambíguo de ser figura pública, sem ser público o que faz. Enfrenta o destino como uma realidade virtual. Encara as coisas como se não estivessem a acontecer, encarando-as depois como se não tivessem acontecido. Apaga do seu mundo o que não quer. É uma atriz do mundo real. Neste, alguém contou aos pais o género de estrela que ela era. “Afastaram-se. Sempre fui a menina do papá, mas até ele me virou as costas.” Esconjurou as lágrimas para outra face do mesmo tema: a indústria (...)
in Expresso
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