Nasceu no Minho, viveu em Inglaterra, já jogou em Itália, mas foi na margem sul do Tejo, a representar as cores do centenário Barreirense, que fomos encontrar o Martin Luther King português.
O nome de herói estrangeiro causa sempre “um bocado de estranheza” e espanto inicial, mas o jogador português Martin Luther King nem perde tempo a pensar nisso porque tem o planeta futebol para conquistar.
Está bom de ver que o nome do avançado que alinha no histórico Futebol Clube Barreirense, na margem sul do Tejo, é uma homenagem ao activista que deu a vida pelos direitos dos negros nos Estados Unidos.
Sentado na bancada do Campo da Verderena, num final de tarde, Martin Luther King Júnior Morais Simões conta que a ideia foi do pai, um ex-jogador de futebol e enorme admirador do Nobel da Paz, o tal que tinha um sonho de igualdade.
“Acho engraçado ter o nome de uma pessoa assim tão importante. De certa forma, também há um bocado o peso de representar um nome tão grande. Mas gosto deste nome”, diz o jovem nascido há 20 anos, em Viana do Castelo.
O futebol faz parte do seu ADN. O pai, José Manuel Simões, passou-lhe o “bichinho” da bola. Fez carreira como avançado no Norte de Portugal, em clubes como Oliveirense, Desportivo das Aves ou Vianense, mas também jogou no Sul.
O pequeno Martin e a família iam atrás, país fora. Andávamos sempre de um lado para o outro”, recorda.
Os primeiros toques na bola
Martin Luther King começou “a dar os primeiros toques na bola no Valenciano, em Valença do Minho”. Depois desceu no mapa e foi para o Cerveira, com oito ou nove anos.
A família fez as malas, apanhou a auto-estrada A1 e mudou-se para Lisboa. Foi aí que “surgiu a oportunidade” de ir “fazer uns treinos ao Benfica”. Os responsáveis encarnados gostaram e o miúdo ficou.
“Correu bem. Comecei a jogar no Benfica com dez anos e por lá fiquei, mais ou menos, até aos 15 anos. Fiz escola lá.”
O adolescente Martin Luther King ficou “sem espaço” no Benfica e foi rodar por outras equipas de Lisboa, até que voltou a andar com a casa às costas.
Lisboa-Inglaterra-Itália
Atravessou o Canal da Mancha e foi viver com os pais para Inglaterra, mas não largou o futebol. Estudou, continuou a jogar até que o chamaram do “calcio”, para ir treinar à Sampdoria.
O Barreirense já andou pela primeira divisão, mas hoje está no terceiro escalão do futebol nacional
O primeiro jogo em Itália é o que recorda de forma mais especial na sua ainda curta carreira. E não é para menos: “Estávamos a perder, entrei aos 60 e tal minutos e mudei o jogo. Marquei dois golos e fiz uma assistência. Ganhámos 4-3. Até agora, foi esse jogo que mais me ficou na cabeça”.
Os responsáveis da Sampdoria “ficaram radiantes” e contrataram a jovem pérola portuguesa, de 17 anos, no seu último ano de júnior.
Mas a passagem pelo clube de Génova só durou meia época. Surgiu a oportunidade de regressar a Portugal, para representar o Olhanense, da II Liga, e Martin aceitou o desafio.
“Podia ter continuado em Itália, mas optei por vir para Portugal”, garante. Não se arrepende da decisão, mas também admite que, se fosse hoje, talvez não deixasse a Sampdoria.
O sonho de Martin
Martin Luther King foi emprestado esta temporada ao Futebol Clube Barreirense. No passado, o clube andou pela primeira divisão, mas hoje está pelo Campeonato de Portugal, o terceiro escalão do futebol nacional.
“Esta camisola pesa muito. O Barreirense é um clube histórico em Portugal”, afirma o avançado, que gostava de ajudar o clube a ser grande outra vez.
A equipa está na cauda da tabela, mas o artilheiro tem um bom registo: marcou quatro golos nos oito jogos em que alinhou. O objectivo, revela, é apontar dez ou mais golos até Janeiro.
O Barreirense já deu ao futebol português jogadores como o guarda-redes Bento, Fernando Chalana, Carlos Manuel, José Augusto ou, mais recentemente, ajudou a formar João Cancelo.
O adolescente Luther King ficou “sem espaço” no Benfica e foi rodar por outras equipas de Lisboa, até que voltou a andar com a casa às costas
Todos têm como denominador comum o facto de se terem transferido para o Benfica. Martin reclama para si o direito ao golo e não esconde que esse é também o seu grande sonho: voltar a vestir a camisola do tricampeão nacional.
“Desde miúdo, quando comecei a jogar no Benfica, toda a gente tinha o objectivo de chegar à equipa principal. Sou jovem e o sonho continua sempre na cabeça. O meu sonho é um dia voltar ao Benfica. Não escondo.”
Há racismo no futebol?
Faz uma pausa e hesita alguns segundos antes de responder à pergunta. Martin Luther King admite que já ouviu ofensas, mas não quer acreditar que haja racismo no futebol português. “Não queria dizer que há [racismo], mas creio que pode haver algumas ofensas com o objectivo de desestabilizar. Mas não penso que seja por maldade.”
Da sua experiência conclui “as coisas que se possam dizer no futebol, hoje em dia, o objectivo da ofensa ao negro pretendem desestabilizar, para as coisas não correrem bem, e não discriminar”.
“Não penso que seja por maldade, porque hoje em dia toda a gente se dá uns com os outros e não há nenhum tipo de maldade nesse aspecto”, sublinha.
Martin está em início de carreira, mas já tem ideias para quando arrumar as chuteiras de vez. Quer “acabar a escola”, pelo menos concluir o 12.º ano, e vê-se a trabalhar na área das energias renováveis, a desenvolver projectos em África.
O pai é uma espécie de “segundo treinador” à distância. A partir de Inglaterra, onde mora, dá-lhe “sempre, sempre, sempre na cabeça” e também muitos conselhos sobre “como fazer golos, a melhor forma de estar em campo, ambição, atitude”.
Com a esquerda ou com a direita, o jovem Martin chuta com o pé que está mais à mão e que também é uma referência da equipa nos cantos e cruzamentos. Descreve-se como um “ponta-de-lança móvel, que gosta de ter a bola, atacar o espaço e de ir para cima do adversário”.
Não encontra termo de comparação com outro jogador famoso. Mas admite que gosta de avançados como Higuaín, Benzema ou Ibrahimović, que não ficam à espera que a bola lhes venha ter aos pés.
Martin Luther King não se arrepende das decisões que tomou até agora. “Bola para a frente. Tenho a certeza que ainda vou conseguir ser feliz”, atira sem medo e com a confiança de quem está habituado a enfrentar “autocarros” defensivos e a furar esquemas tácticos. Sempre em nome do golo.
in Rádio Renascença
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