Cada ano que passa é mais difícil prever se para o ano seguinte se vai voltar a poder comprar pericos. Cada vez há menos e muito pouco se sabe sobre a origem da árvore que nos dá esta pequena pêra. Existem algumas árvores em Cerdal e São Julião, mas Fontoura foi sempre onde se identificaram mais exemplares. Há uns 7 anos atrás disseram-me que também havia “pericos” em Melgaço. Fui até lá por esta altura para confirmar; na realidade nada tinha a ver, eram maiores e de cor verde (quando, na realidade, a cor dos pericos é castanha), a textura e sabor era completamente diferente; falso alarme. Foi-me comentado que em Tomiño (Espanha), numa freguesia que se localiza mesmo de frente de S. Pedro da Torre, S. Juan de Amorim, havia “pericos”. Aí encontrei uns arbustos em forma de árvore que tinham um fruto que eram os “pericos”! A mesma forma, o mesmo calibre e a mesma cor, mas o sabor era arrepiante. Continham uma acidez que nunca tinha encontrado em nenhum outro fruto, mesmo quando trincamos um fruto muito verde. Desde logo, do ponto de vista gastronómico, não tinham qualquer valor, mas algo em comum existia. Na mesma altura fui a Paredes de Coura e Vila Nova de Cerveira pois comentaram-me que lá havia uns arbustos que tinham o fruto que eu procurava. Efectivamente, confirmou-se, mas com um dado curioso: era o mesmo arbusto que tinha encontrado em Espanha, e o fruto precisamente com as mesmas características organolépticas. Um dado curioso é que aqui este arbusto era usado como vedação para dividir os campos, a par com os marcos. Tanto em Valença, como em Paredes de Coura e em Vila Nova de Cerveira estes arbustos existem, e eram usados com a mesma função. Por aqui, nos montes, encontram-se com alguma facilidade, a razão é que muitos campos dados ao abandono se transformaram em pinhais, daí se encontrarem algumas colónias deste arbusto. O nome que lhe dão é escramoeiro, sei que tem um nome científico mas não me recordo, é daqueles nomes em latim difíceis de memorizar.
Todos os anos, nesta época, vou à feira dos Santos comprar pericos e aproveito para fazer alguns registos sobre a quantidade que se encontra à venda, faço algumas fotografias e converso com as vendedeiras para saber como foi a colheita. Pergunto como vai a saúde das árvores, assim como outros pormenores que me pareçam interessantes. Tenho uma noção muito concreta!... Os pericos estão em risco e, provavelmente, se não se fizer alguma coisa, um dia irão desaparecer.
Guardei essa informação, sempre na expectativa de um dia encontrar alguém que compartisse as mesmas convicções e a paixão de investigar sobre este misterioso fruto.
Conheci um senhor apaixonado pela natureza e tudo o que ela nos dava. Não hesitei em convidá-lo, até porque era uma pessoa com formação na área da fruticultura e com um conhecimento geral sobre agricultura biológica. Tinha estudado em Israel, onde trabalhou cerca de 10 anos na área da florestação. Ficou desde logo fascinado com o que lhe comentei. Depressa nos apercebemos que algo em comum havia entre nós, essa química da boa mesa. Falávamos do que comíamos e bebíamos, compartimos tertúlias à mesa onde o epicurismo do gosto pelos alimentos limpos (biológicos) estava sempre presente.
Durante 4 anos investigamos sobre este fruto. Uma coisa estava certa, a árvore não se encontra identificada como uma árvore de fruto de consumo humano. Segundo ele era um fruto autóctone, localizado! Que só se conhece em Valença! Fizemos ensaios. Plantação por estaca e enxertia usando o escramoeiro como porta enxertos. Ele é que era o entendido, a mim interessava-me a parte gastronómica do fruto as possibilidades em conservá-lo e torná-lo num produto gourmet e, é claro, na sua recuperação afim de não se perder. O que ele dizia, é que a árvore derivava de um arbusto infestante que por aqui era conhecido como escramoeiro! E que enxertado com uma certa variedade de pêra nos dava o fruto doce, porque o escramoeiro já produzia os “pericos”, o que necessitávamos é que o fruto adquirisse açúcar para o tornar agradável ao palato. Trabalhamos durante esses 4 anos neste projecto mas, infelizmente, o meu amigo e companheiro de investigação faleceu inesperadamente, e tudo foi muito rápido; a esposa não era portuguesa nem vivia em Portugal, estava completamente por fora do que estávamos a fazer, desactivou a propriedade onde estavam os ensaios assim como toda a informação que estava no seu computador. Tudo se perdeu! A mim apenas me ficaram registos de memória e as experiências do comportamento do fruto como iguaria.
Até à data não encontrei ninguém disposto a começar novamente a investigação, partindo praticamente do ponto "zero". Os “pericos” são um produto endógeno que corre o risco de se extinguir se não se fizer o trabalho necessário para a sua recuperação. Já pedi ajuda a uma organização mundial a que pertenço (“SLOW FOOD”), mas é extremamente difícil. A organização é consciente de que se perdem, anualmente, em todo planeta, muitas espécies só que as prioridades estão em ajudar países onde a seca mata todos os dias milhares de crianças mulheres, homens e animais. Todos os esforços estão em ajudar e tornar terrenos inférteis em férteis, recorrendo a meios técnicos levados do ocidente que são caros e esgotam as possibilidades de ajudar o ocidente.
Os “pericos” correm o risco de se perder!...
Podemos tomar como exemplo o que estava a acontecer aqui bem perto, em El Rosal (Espanha), com os mirabeles. É um fruto da família das rosáceas que procede da Selva Negra (Europa Central) e foi introduzido na zona em 1935 por José Sánchez Garcia, que foi professor e alcalde do Rosal. Ao longo dos anos estiveram quase extintos, foram recuperados, e hoje são uma mais-valia importante para esta pequena vila onde a produção, que aumenta de ano para ano, ainda é inferior à procura, tendo-se desenvolvido uma indústria de conserva deste fruto, que é vendido com uma mais-valia importante, por ser um fruto sazonal. É extremamente apreciado fora de época, um produto gourmet que faz parte das cartas de sobremesas dos melhores restaurantes do país onde a apetência por novas iguarias gastronómicas é uma constante.
Todos os anos faço ensaios sobre a forma de conservar os pericos, baseando-me na técnica que é usada com os mirabeles. O comportamento é bastante positivo, podem ser consumidos com a calda, mas também são óptimos para decorar sobremesas, gelados, ou até cobertos com chocolate são um verdadeiro manjar. A conjugação do doce ácido dos pericos com a fragrância gustativa do chocolate é, sem dúvida, um casamento gastronómico que bem pode competir com as mais diversas iguarias das novas criações da alta pastelaria, que cada dia procura novas conjugações, entre o moderno e o tradicional.
Deixo um alerta!... Vamos valorizar algo que é só nosso, recuperando o “periqueiro”.
Também tenho informação que o escramoeiro enxertado com o periqueiro dá resultado positivo, e penso que também consegui saber qual a variedade de pereira que, depois de enxertada, dá origem aos periqueiros embora me tenham dito que, se realizasse essa enxertia, o resultado era que teria uma pereira e não um periqueiro. Mas estou completamente às escuras, disto não entendo. Mas convidaram-me para, em Janeiro ou Fevereiro, ir a Fontoura que me ensinariam a fazer um destes enxertos.
Estou optimista e cheio de curiosidade. Para mim vai ser uma experiência! Porque, se de cozinha alguma coisa domino, de agricultura não domino mesmo nada.
Apelo aos organismos com responsabilidades nesta matéria, e em especial à Câmara de Valença, que se solicite ajuda da escola agrária da região, para a recuperação, enquanto é tempo dos “pericos dos Santos”, como por todos são conhecidos.
Peço que acreditem, com a mesma convicção com que acreditaram no nosso “caldo verde” que, com trabalho e dedicação, fomos capazes de o perpetuar como uma das “7 Maravilhas da Gastronomia Portuguesa”.
As gerações futuras vão agradecer-nos o facto de termos preservado este fruto endógeno, digno, quem sabe, se algum dia, de certificação, porque para nós, valencianos, já é uma das, Maravilhas da Gastronomia Valenciana.
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