sexta-feira, 3 de abril de 2015

De pequenino é que se aprende o caminho de Santiago, no Albergue de Peregrinos de Valença

Mariana Santos, de seis anos, chega feliz ao albergue de peregrinos de Valença. Está de volta a Portugal, depois de ter percorrido, a pé, perto de 150 quilómetros, entre Ponte de Lima e Santiago de Compostela.
A aventura durou oito dias, de 21 a 29 de março, e está registada num diário, repleto de desenhos coloridos da Mariana e de escritos do pai, Orlando Santos, que a acompanhou. Nas páginas de onde saltam flores, borboletas e casinhas - os albergues, cafés e restaurantes por onde foram passando -, também há referências à amiga Élia Carreira, de 41 anos, que os acompanhou no caminho, e à mãe, Elsa Santos, de 45, que os apoia à distância por motivos de saúde. Foi a segunda vez que esta pequena peregrina, natural de Ourém, foi a Santiago pelo seu próprio pé, o que já lhe confere o estatuto de "estrela".
"Pedem para tirar fotografias, oferecem-lhe chupa-chupas, rebuçados, gomas e batatas fritas. E os espanhóis chamam-lhe "campeona", conta Orlando Santos, acrescentando: "Muitas pessoas felicitam-nos e dizem: Se a Mariana consegue, eu também consigo".
"As pessoas dizem-me "bom caminho" em Portugal e "buen camino" em Espanha. Gosto das palavras dos espanhóis. Enrolam muito a língua para dizer aquelas coisas", relata Mariana. E quanto à grande caminhada até Santiago, comenta: "É tudo muito giro. Não custa, só que doía-me sempre os pés".
Possível "sob condições"
O tema não é pacífico. Divide opiniões, principalmente, entre os pais. Há quem jure que nunca arriscaria deixar os filhos percorrer tantos quilómetros e há quem entenda que o caminhar até pode ser saudável para as crianças. O pediatra Hugo Rodrigues, autor do livro e do blogue "Pediatra para todos", coloca algumas reticências. Quando questionado sobre se podem as longas caminhadas ser prejudiciais fisicamente para as crianças, responde: "Se analisarmos a questão "a frio" acho que sim. Fazer tanto esforço em pouco tempo não é, de todo, uma atividade adequada a crianças pequenas, mesmo que sejam desportistas".
Entende, contudo, que, se a vontade da criança e dos pais de fazer o caminho for muita, pode fazer-se, mas sob determinadas condições. "Se esse esforço for faseado e desdobrado por um período de tempo maior, permitindo que as crianças percorram o caminho ao seu ritmo e com os momentos de pausa necessários, acho que pode ser permitido, sem grandes problemas", diz.
Creme nos pés, levantar mais tarde do que os adultos - "somos sempre os últimos a sair dos albergues", garante o pai -, treino de caminhada antes e permissão do médico para fazer são requisitos apontados por Orlando Santos . De resto, diz, Mariana é "quase exceção". "Não há muitas crianças no caminho, se bem que, desta vez, lá em Santiago vimos um grupo de quatro crianças e uma delas deveria ter cinco ou seis anos", conta o pai de Mariana.
A Mayte Morris, de 48 anos, natural de Tui, na Galiza, o JN encontrou-a "com o coração nas mãos e agarrada ao telemóvel". O filho, Adolfo Gonzalez, de 14 anos ia a caminho de Santiago a pé com colegas de escola e professores. "Não faz ideia das vezes que já lhe liguei. Desejei até ao último momento que desistisse. Tenho medo, pois nunca sabes quem vais encontrar", comentou.
Nos albergues de Valença e de Tui, há registo da passagem de várias crianças de escolas e de grupos de escuteiros ou acompanhadas pelos pais. A maioria tem mais de 12 anos. Mas também há crianças mais novas, principalmente em Espanha. Segundo Lourdes Fernandez, do albergue privado "El camino", a exceção já virou regra. "A mais nova que passou aqui foi uma menina espanhola com cinco anos, que ia com o pai e a avó de 70 anos. Já tinha feito o caminho no ano anterior, com quatro anos", afirma. "Cada vez há mais famílias espanholas que vem com os meninos pequenos. Fazem mais etapas e mais curtas. Vão devagar e fazem o caminho".
No albergue de Valença, o JN encontrou Tomás Campos, de 10 anos, prestes a começar a aventura da sua vida. O pai Bruno Campos, de 38 anos, e a companheira Lucilene Oliveira, com 47, fizeram a pé o caminho em 2014. Este ano quiseram repetir na companhia do rapaz, que não cabe em si de emoção. Preparada tinha uma mochila, com dois quilos de peso, para carregar às costas ao longo de cinco dias e 107 quilómetros, de Valença até à catedral de Santiago de Compostela.
in Jornal de Notícias

Sem comentários:

Enviar um comentário