A Santa Casa de Valença foi fundada em 1498. Esta afirmação faz parte duma arreigada tradição, carece porém de prova documental, pese embora os esforços de dedicados investigadores que se debruçaram sobre a exactidão da data da sua fundação, a garimpar entre calhamaços e fólios.
Sem margem para dúvida, as primeiras Misericórdias do Alto Minho são as de Valença, Monção e Viana do Castelo, todas contemporâneas da irmandade de Lisboa, a beneficiar das prerrogativas essenciais do Compromisso da Misericórdia.
Existirá, ainda, o tal documento fundador, sobrevivente da incúria dos mesários e do desbaste inclemente da lima do tempo? Só a sorte o fará topar. Se não temos presente a prova irrefutável, existem, contudo de certa certeza, alguns testemunhos indicadores da antiguidade da instituição valenciana.
O mais antigo, lavrado quinze anos depois da data apontada, quase tão velho e relho como a salve-rainha, data de 20 de Dezembro de 1513 e diz respeito a uma escritura do prazo do Monte do Pombal feito por Francisco Fernandes Bacelar, na qual é citada a «Cõfraria da Mysiricordia».
Logo, pouquíssimos anos decorridos, o douto Dom Frei Bartolomeu dos Mártires, benigno pastor que tomou o báculo de arcebispo primaz de Braga, outorgou licença a 19 de Janeiro de 1568 «para sagrar e dizer missa na capela da Misericórdia» e receber ajuda do Pai do Céu nas coisas do temporal e do divino.
De seguida, a 19 de Junho de 1568, o provedor da Confraria da Misericórdia solicita ao licenciado Manuel Sardinha, muito digno Reverendo Vigário-Geral da Comarca Eclesiástica de Valença, a mercê da bênção de «hũa capella que formaram e puserao altar e retabolo e se pode dizer as missas da Confraria decentemente», alevantada numa palhetada «co a ajuda de Nosso Senhor e alguas esmolas» dentro «da dita casa em que se recolhem e fazem seu cabido».
O licenciado Francisco Lopes da Cunha, falecido da vida presente a 10 de Fevereiro de 1585, para descanso da sua alma torva deixou diversos legados pios à Santa Casa. Naquelas eras, havia gentinha que remia as grandes nódoas roxas dos pecados com arráteis de libras, enquanto ajoelhava na almofada de carmesim e fazia escolta a um capão assado.
Tempos volvidos, a confraria, já endinheirada de teres e haveres, celebra uma escritura a 17 de Janeiro de 1590 com mestre Gonçalves para construção da casa e igreja da Misericórdia, sem muito gravame nos cofres da pia instituição, perto duma rua lastrada de tojo e batida de ventos desconformes.
A tradição da fundação coeva com a épica viagem de Vasco da Gama na rota da descoberta do caminho marítimo da Índia estava visceralmente implantada no século XVIII, porquanto um acórdão da Mesa da Misericórdia datado de 27 de Fevereiro de 1746 cita «a graça que o senhor Dom Manuel que a Santa Gloria haia concedeu a esta Santa Casa».
Estes são os primeiros diplomas referentes à Santa Casa da Misericórdia de Valença, todos da centúria de quinhentos, enquanto aguardamos um golpe de asa que faça luz sobre o estado da questão da criação deste nobre organismo, içado no alcandor de aliviar os viventes dos males do mundo, uma refrega inaudita de bem-fazer.
por Jofre de Lima Monteiro Alves
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